Descalças é uma organização cultural sem fins lucrativos, com sede em S. Vicente Ferreira e responsável pela Casa Descalça, em Ponta Delgada. Trabalha no âmbito da cultura e das artes e complementa profissionalmente o papel do Estado ao facultar o acesso à cultura a um infindável número de pessoas e num sem número de atividades e locais. Criar espetáculos, oficinas de formação artística, edições culturais, programar um espaço de cultura alternativa nos Açores, apresentar-se na região, no continente, no estrangeiro são apenas alguns dados sobre a dinâmica desta organização.
Por tudo isto e pelo tanto que fica por dizer, entendeu sempre que devia propor ao organismo governativo com responsabilidades em matéria de cultura criar com este parcerias que comprovassem o reconhecimento da importância da existência de estruturas não governamentais que ajudam ou suprem imperativos e obrigações do Estado.
E agora passo a falar no discurso direto... porque eu sou uma das pessoas que trabalha nesta organização colectiva e que sinto, diariamente, a lesão que é trabalhar com determinados desgovernos...
Andamos, desde 2006, a apresentar candidaturas aos “planos de apoio a atividades de relevante interesse cultural para a região”, em todas as fases (2 candidaturas por ano).
Uma vez dissemos: “Queremos apresentar uma proposta de Protocolo de Cooperação Financeira, queremos que a nossa atividade seja entendida como um trabalho profissional, estruturante a curto, médio e longo prazo, para a dinâmica cultural da região”. Responderam-nos que: “os protocolos têm que partir de uma vontade do Sr. Diretor Regional da Cultura, ao detectar que a DRAC não possui os meios para a execução de determinados projetos”...
Em 4 anos, reunimos pessoalmente com o sub-diretor regional da cultura (Carlos Martins, em representação do diretor Vasco Pereira da Costa), com a diretora regional da cultura Gabriela Canavilhas, com o diretor regional da cultura Jorge Bruno. (eu acho que isto também ajuda a explicar o desgoverno...). Em todas as reuniões, apresentamos o trabalho desta estrutura profissional que não se cinge, não quer e nem pode, à realização de um só projeto anual. Em todas as reuniões ficou claro que Descalças cooperativa cultural, pelo volume do seu trabalho e pela capacidade reconhecida não é uma estrutura comparável a muitas outras na região e que por isso mereceria um tratamento diferenciado.
Com exceção do primeiro representante com quem reunimos, constatámos o profundo desconhecimento que os nosso representantes nutriam em relação à nossa existência.
Se os representantes da Cultura na região não conhecem o nosso trabalho, explicamo-nos, é porque aos apoios que nos têm sido concedidos (o mais alto que atingimos foi um apoio de 5000€ para 2 anos de trabalho) correspondem relatórios referentes exclusivamente a esses apoios ou, perguntamo-nos, é porque não tem de facto havido interesse em conhecer o que fazemos, como fazemos, onde fazemos? A nossa atividade é pública, os relatórios das nossas atividades são públicos, a documentação comprovativa do nosso trabalho também é pública. E se o não fosse, sempre nos disponibilizamos para prestar contas sobre o nosso trabalho.
Naturalmente que não queremos esconder o que fazemos. Seria demasiado estúpido quando trabalhamos para público em geral, ou seja, para toda a gente! Não podemos é deixar de mostrar como fazemos.
Por isso, hoje decidimos tornar público que Descalças cooperativa cultural:
- não tem recebido por parte dos organismos públicos com responsabilidade na cultura a compreensão e reconhecimento pelo trabalho realizado na região há mais de 5 anos.
- é uma estrutura auto-financiada que tem, em média, mais de 5000 espectadores/ano em 200 atividades realizadas por colaboradoras permanentes. Atualmente, 4 profissionais, 3 voluntárias e 4 cooperantes trabalham regularmente com cerca de 20 artistas/criador@s profissionais nas criações artísticas e execução dos planos de atividades.
- está permanentemente a desenvolver atividades que se fundam e só são possíveis pelo estabelecimento de parcerias com muitas organizações locais, nacionais e internacionais, não só no campo artístico.
Uma das candidaturas por mim teimosamente apresentada entre 2008 e 2010 solicitava apoio para a realização de um Master em Criatividade e Inovação pela Universidade de Santiago de Compostela (seria a única pessoa com essa formação específica na região, havendo muito poucas no país). Da primeira resposta cito “não apresenta as mais valias para a região”, da segunda resposta “não é enquadrável nos imperativos estabelecidos pelo organismo de Cultura”. Engraçado, depois disso recebi uma bolsa de dramaturgia (que, no fundo, é um subsídio e não uma bolsa de criação artística como nos querem fazer crer, atirando-nos essa areia para os nossos olhos bem abertos) que, em tudo, contraria os pensamentos anteriormente defendidos... E eu aceitei...
As duas últimas candidaturas que as Descalças apresentaram não foram avaliadas pelo júri do concurso por nenhuma razão relacionada com alguma cláusula da legislação em vigor. Para além de que as respostas nunca chegaram, em candidaturas feitas nos últimos 5 anos, dentro do prazo legal.
As duas últimas candidaturas apresentadas pelas Descalças não foram avaliadas pelo júri “por nos encontrarmos ainda a desenvolver uma atividade apoiada”... Eis a razão que não se consegue encontrar na lei. Eu não consigo e já procurei muito. E pergunto-me: será que não podemos desenvolver mais do que uma atividade ao mesmo tempo? E não consigo acreditar na suposição da resposta que a DRAC nos tem dado. É a morte... é a morte...
Os tempos são de crise, hoje, como sempre foram aliás, no que respeita à dimensão de apoios à criação cultural, nesta região e neste país.
Sentimos, no entanto, que estamos a ser prejudicadas agressivamente no nosso dia-a-dia. Com essa agressão, o público (que é toda a gente - como já referi) a quem se destina o nosso trabalho, está também a ser prejudicado. O Estado demite-se da sua função e ainda maltrata quem a executa. Não podemos calar-nos quando isto acontece não só a nós mas a uma quantidade enorme de pessoas que são toda a vasta comunidade que frui, usufrui, deseja e merece o que somos e fazemos. Aqui e no mundo.
Maria Simões, Junho.2011
publicado na edição de 21.junho.2011 do jornal Açoriano oriental